Ações e mutirões têm sido organizados para evitar degradação e cobrar fiscalização de órgãos públicos
RIO — Protocolos acumulados, reclamações de longa data e sentimento de impotência diante de situações que só fazem piorar. Cansados de reivindicar que o poder público dê fim a problemas que afetam seu dia a dia, moradores de diferentes bairros, sozinhos ou em grupos, têm tentado resolver, eles próprios, as pendências.
Há três semanas, o jornalista e professor André Luiz Pereira Nunes decidiu sinalizar por conta própria um quebra-molas que já causou vários acidentes, na altura do número 541 da Estrada do Rio Morto , em Vargem Grande . Comprou pincel e tinta e, num sábado de sol, isolou uma das faixas de cada vez, com ajuda de cones e um carrinho de supermercado, para pintar listras amarelas no asfalto. A iniciativa chamou a atenção de quem passava de carro. Um vídeo da ação circulou nas redes sociais, e Nunes ficou feliz com a aprovação da maior parte dos internautas. Mais feliz ainda ficou na semana passada, quando agentes da CET-Rio estiveram no local para concluir seu trabalho.
— As pessoas acham que da porta para fora o problema é só da prefeitura. Já socorri gente presa nas ferragens e um motociclista que voou por não ter visto o quebra-molas. Ali à noite é um breu. Num sábado em que eu podia estar na praia, acordei e decidi pintá-lo. Muitos me agradeceram, outros me xingaram. Fiz isso como um protesto — conta.
Há cinco anos, Nunes iniciou sua primeira ação para melhorar o espaço público do bairro: o plantio de árvores, também às margens da Estrada do Rio Morto. Ele compra a maioria das mudas e recebe umas poucas doações. A preparação e a manutenção do solo incluem limpeza , capina e técnicas para evitar furtos, como cercar as plantas com estaca e arames. Completam o trabalho pedidos constantes à Comlurb para que instale papeleiras na via e retire entulho jogado na beira da estrada.
— É como diz o biólogo Mário Moscatelli: plantar é fácil, cuidar é que é difícil. Eu mantenho tudo capinado, limpo em volta, cato lixo. Já deparei até com aterro sanitário — conta. — Minha mulher diz que é hobby, mas não me diverte nem me distrai. Isso é indignação, não consigo não fazer nada.
A Comlurb diz que faz a limpeza da área do Rio Morto rotineiramente e que a limpeza dos canais é com a Rio-Águas. Esta, por sua vez, informa que realiza, até a primeira quinzena de novembro, uma operação para retirada de gigogas do local.
No Jardim Oceânico , moradores organizaram uma força-tarefa para melhorar o bairro nos quesitos ordem e limpeza . O Somos Jardim Oceânico foi criado há três anos e tem agregado outros movimentos, como o Florescendo Jardim Oceânico (voltado para as áreas verdes), o JO Quatro Patas (de distribuição de sacos para coleta de fezes de animais) e o Olegário Legal (parceria com comerciantes da Avenida Olegário Maciel ).
O entorno da estação do metrô é o principal ponto de ação do grupo, que denuncia irregularidades e põe a mão na massa. Os participantes fazem mutirões de limpeza e revitalização, protocolam queixas no telefone 1746, da prefeitura , e vão às reuniões do Conselho Comunitário de Segurança.
— Aquela área virou a porta do inferno. As pessoas usam a água da fonte que tem na praça, urinam e defecam no local. Nos fins de semana, já contamos entre 40 e 50 camelôs à noite, com som alto, churrasqueira. Alguns jogam óleo no canal — conta a pedagoga Áurea Sousa, moradora do bairro há cinco anos. — Na Olegário Maciel, há moradores de rua. Estamos cobrando ações.
O Somos Jardim Oceânico criou até uma espécie de patrulha noturna:
— O morador daqui não frequenta mais a Olegário Maciel. Não queremos pessoas bebendo na rua, atrapalhando o trânsito, nem colocando cadeiras na calçada. Tem um grupo fazendo fiscalização à noite junto aos comerciantes. Onde há falta de fiscalização do governo, temos que nos impor.
A Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) diz que em setembro e outubro aplicou 216 autuações a vans e Kombis na Barra e no Itanhangá. Já a Guarda Municipal informa que fiscaliza diariamente o trânsito no Jardim Oceânico. Quanto às demais queixas de ordem urbana, acrescenta que este ano apoiou seis operações integradas coordenadas pela Seop na região, além de realizar fiscalização habitual. Houve até agora 665 ocorrências no Jardim Oceânico e no entorno, incluindo apreensões, acolhimento de pessoas em situação de rua e prisões.
Cada vez mais voluntários
Ao longo de 35 anos, a jornalista Lenora Moraes de Vasconcellos viu o Jardim Oceânico crescer e mudar. Foram os aspectos negativos da transformação que a fizeram entrar para o Somos Jardim Oceânico. Além de atividades de conservação, o grupo cuida de áreas verdes e organiza programação para crianças.
— Se a administração pública não assume o papel dela, nós temos que fazer algo. Começamos com os jardins, o que traz uma mensagem educativa, além de embelezar. O Jardim Oceânico foi totalmente deteriorado; o governo o abandonou. Não há ordem pública e sim mercadoria roubada, camelôs, crianças sendo exploradas — diz ela.
No Anil , o meio ambiente é a maior preocupação do grupo Revive Jacarepaguá , que há dois anos organiza mutirões de plantio às margens do rio de mesmo nome. Se no começo havia escassez de mão de obra, agora não faltam voluntários. O que o grupo precisa é de doações de plantas, que devem ser nativas da Mata Atlântica .
Hoje, o Revive Jacarepaguá faz ações mensais e já tem biólogos entre seus integrantes, mas, no início, foi preciso estudar que plantas seriam adequadas à área. Quem quiser doar mudas e tiver dúvidas pode entrar em contato pela página do grupo no Facebook. No momento, estão sendo pedidas ferramentas. Não se aceita dinheiro.
No sábado passado, 37 voluntários participaram de uma ação próximo ao Rio Anil . Prepararam o solo para o plantio e recolheram lixo. Os efeitos do trabalho já são sentidos por quem vive ao redor, afirma Sidney Teixeira, um dos organizadores do movimento:
— É preciso despertar a consciência também, não basta só plantar. Tem que engajar os moradores. Nosso grupo começou assim. Vamos falando da importância desse trabalho, e as pessoas se encantam. Quando começamos, colocamos uma plaquinha explicando o que era o projeto e a quantidade de lixo jogada perto do rio diminuiu drasticamente.
A ideia é semear o projeto em outros rios da região, basta o grupo crescer um pouco mais. Os participantes têm atraído moradores de outros pontos de Jacarepaguá. Para isso, apresentam seu trabalho em palestras e contam com o apoio da Associação de Moradores da Freguesia (Amaf).
Morador do Pechincha , Lucas Manuel Machado participa desde abril do ano passado do Revive Jacarepaguá e viu no projeto uma oportunidade de observar, na prática, o tema de seu mestrado em Relações Internacionais, voltado para a política externa brasileira de combate ao desmatamento. Já ajudou a cultivar pata-de-vaca, pau-ferro, pau-brasil, jabuticaba, aroeira, urucuzeiro e pitangueira.
— Usamos livros de referência para ter certeza de que estamos fazendo a coisa certa. E, desde o início do ano, não tem havido deslizamento de encostas aqui quando chove muito —
Teixeira completa:
— Queremos trabalhar a preservação dos rios como forma de evitar enchentes, um trabalho que não é feito no Rio.