Nathalia Oliveira, moradora da periferia de São Paulo, vai embarcar para o intercâmbio no final de janeiro
Como Nathalia Oliveira mesmo diz, a educação é capaz de transformar a vida de uma pessoa, como aconteceu com ela. Contrariando expectativas, a jovem de 22 anos, moradora da periferia de São Paulo, entrou no curso de medicina na Universidade de São Paulo (USP) em 2016, um dos cursos mais concorridos do país. Agora ela se prepara para o próximo desafio: um intercâmbio na Universidade de Harvard, uma das mais famosas do do mundo.
Em seu programa de intercâmbio, com duração de um ano, Nathalia aprenderá sobre todo o processo de construção de pesquisa científica na área de nanotecnologia e nanotoxicologia com aplicação em saúde, onde trabalhará com os maiores especialistas do setor.
Mas o caminho dela até conseguir essa vaga não foi simples. Nascida em São Miguel Paulista, no extremo leste de São Paulo, Nathalia e sua irmã sempre foram incentivadas a estudar pelo pai, que trabalhava como pedreiro e bombeiro. “Ele sempre foi muito exigente com a gente. Não adiantava tirar 7, 8 ou 9. Tinha que ser 10”, diz a estudante. “Então crescemos sempre com a ideia de estudar para honrar o esforço deles para custear a nossa educação.”
Aos 13 anos, a família se mudou para Vargem Grande, e Nathalia foi aprovada para fazer o Ensino Médio em uma escola técnica em Cotia, cidade vizinha. E, segundo Nathalia, foi neste momento que sua vida mudou.
Convivendo com pessoas que sonhavam alto, ela começou a sonhar também: decidiu que queria fazer medicina. “Parecia impossível mas eu queria tentar.” Ela conversou com os pais sobre sua escolha de curso e que teria que fazer em uma universidade pública porque não teria dinheiro para pagar uma mensalidade. A jovem então começou a fazer provas de bolsas em cursinhos e conseguiu um bom desconto para poder estudar.
Mas não era fácil a rotina de vestibular. Nathalia demorava cerca 2h30 para ir e o mesmo tempo para voltar. Em seu primeiro ano de cursinho, ela conseguiu ir para a segunda fase de vários vestibulares, mas acabou não sendo aprovada em nenhum. “Mesmo fazendo Ensino Médio em uma escola técnica, sabia que não era o suficiente para passar em medicina. No cursinho era o momento de revisar mas eu precisei aprender todo o conteúdo.”
No ano seguinte, foi aprovada em uma universidade de Recife, mas viu que ainda sairia muito caro mudar para outro estado.
Foi depois do terceiro ano de estudo que veio a recompensa. Nathalia conseguiu uma bolsa integral no cursinho e foi aprovada nas universidades públicas USP, Unicamp, Unesp, Unifesp e UFMG. A escolhida foi a USP por ser bastante conhecida e pelas oportunidades que ela teria.
Inscrição no intercâmbio
Uma destas oportunidades era justamente o intercâmbio. Assim que encontrou na faculdade, Nathalia ouviu sobre a possibilidade de sair do Brasil para estudar em outra universidade, mas acreditava que não teria capacidade para isso. “Não queria buscar esse intercâmbio porque ser aprovada no vestibular já tinha sido um desafio muito grande e não queria tentar outro e me frustrar”, afirma.
Mas ela mudou de ideia quando fez a iniciação científica e viu que um intercâmbio faria muita diferença em sua formação então decidiu tentar: fez a inscrição, que foi logo aprovado por seus professores que a encaminharam para uma análise com os professores de Harvard. Para ser aprovada na etapa final, a jovem teria que participar de uma videoconferência em inglês.
“Foi muita pressão porque nunca tinha conversado com nenhum nativo. Aprendi inglês com uma vizinha, mas era muito básico.” A entrevista não foi fácil e Nathalia tinha que pedir para o entrevistador repetir as perguntas duas ou três vezes para conseguir entender. “Eu achei que tivesse ido muito mal e só passaria por um milagre.”
Mas Nathalia foi surpreendida e recebeu a notícia de que, junto com outros 14 estudantes de medicina da USP, ela havia sido aprovada para o intercâmbio. A primeira coisa que ela fez foi ligar para os pais, que ficaram muito emocionados com a notícia e começaram a chorar. Nathalia também comemorou a notícia mas logo caiu a ficha: ela não tinha o dinheiro necessário para viver um ano fora do Brasil.
A primeira ideia da estudante para arrecadar dinheiro foi vender pão de mel com uma receita que ela havia aprendido com a tia. Nathalia conseguiu conseguiu vender primeiro para seus amigos e vizinhos, mas seus planos mudaram quando um amigo fez as contas de que mesmo com os doces não seria possível arrecadar dinheiro o suficiente para pagar o custo de vida de um ano nos Estados Unidos. Ele então sugeriu que ela fizesse uma vaquinha online.
“No início eu fiquei brava porque pensei que ele não me apoiava nos meus planos mas depois entendi que fazia sentido”, afirma. A campanha começou no início de novembro, com a divulgação sendo feita em sua página pessoal. No entanto, ela percebeu que as pessoas só iriam compartilhar a sua história uma vez e que ela não conseguiria alcançar pessoas o suficiente para arrecadar o dinheiro que precisava: R$ 28.391, sendo R$24.700 para ela e o resto fazendo parte da taxa do site de crowdfunding.
Então sua tática foi comentar em publicações de páginas com muitas curtidas que estava precisando de dinheiro para fazer a viagem. Além disso, ela mandou mensagens para veículos de comunicação para que topassem divulgar a sua história. O plano deu certo e em menos de 60 dias ela conseguiu bater a meta.
A estudante conseguiu impressionar tantas pessoas que ela conseguiu mais dinheiro do que estava pedindo. Até o momento, a campanha já arrecadou mais de R$ 60 mil. “Acho que as pessoas perceberam que eu tinha feito as contas de uma forma muito simples e considerado um orçamento muito restrito”, diz Nathalia.
Agora a estudante se planeja para embarcar para os Estados Unidos no final de janeiro, onde ficará por um ano. Com o dinheiro que arrecadou, ela pretende fazer um curso de aprimoramento em Harvard ou no Massachusetts Institute of Technology
(MIT).
Além disso, ela quer doar uma parte do dinheiro para estudantes com histórias semelhantes à dela. “Gostaria de reinvestir em outros jovens o que investiram em mim. Eu nasci e cresci na periferia. Sei a história de quem é de lá e quero mostrar pra eles que é possível.”
Fonte:https://revistagalileu.globo.com